School Days: Uma história sobre pessoas quebradas (VERSÃO TEXTO)
"Será que, só por ter traição, um anime é ruim?", Tebaldi, 2018
Este
vídeo contém SPOILERS! Aviso dado, vamos em frente.
Esse
vídeo foi motivado pelo desabafo do Marco Abreu, host do canal do YouTube
Intoxi Anime e dono do blog de cultura pop (especialmente
japonesa) Intoxicação Alimentar. Já aviso que respeito os sentimentos e posição
do Marco diante de School Days, até porque a aversão e tristeza
transmitidos por esse anime são reais. É mais do que natural se sentir como ele
se sentiu, ainda mais que o mesmo se envolveu com uma das principais heroínas,
Kotonoha, que é a mais prejudicada na história (pelo menos na visão de muitos,
inclusive na minha). Por isso mesmo gostaria de dar uma visão diferente do
anime, uma visão mais apática com relação aos personagens em si e mais
relacionando-se com os sentimentos de todos ali de forma mais geral, coletando
mais o que acontece, como acontece e as consequências da sucessão de eventos.
Ou seja, serei mais frio com os personagens, mas ainda me conecto com suas
emoções, assim não me cegando com algum juízo de valor por apegos específicos.
Bem,
nem falo da animação em si, porque foi bem meh, não foi lá “grandes coisas”...
Preste mais atenção nas mudanças de expressão facial e linguagem corporal, que
usam de arquétipos bem comuns das animações japonesas no início para expressar
algo bem mais profundo do que parece de forma até menos sutil do que a direção
normalmente é nos momentos mais “quentes”, e que vão se perdendo e se tornando
mais duros, maciços e densos cada vez mais que se aproxima do fim.
EDGY!!! |
Saindo
do disclaimer, preciso dizer que, assim como todo ser humano, Makoto,
Sekai, Kotonoha e todo o resto do elenco têm qualidades diversas, sejam elas vícios
ou virtudes (estou usando termos de Spinoza aqui, sendo qualidade apenas uma
característica de personalidade ou habilidade). Justamente por eles terem
caracterizações que portam até mais vícios do que virtudes, eles tornam bem
humanos ao decorrer do anime, o que se expressa através de seus diálogos e ações. Isso não é um
defeito da obra, e sim uma caracterização diferente a cliché de anime de
romance escolar e harém genérico, propondo mostrar uma realidade bem cruel
sobre o próprio instinto sexual dos adolescentes e até, talvez, criticando o
fetichismo e culto ao macho alfa que atrai a atenção de todas, seja na vida
real, seja na arte (ESPECIALMENTE EM ANIME).
Para
demonstrar isso tudo, citarei alguns exemplos de pontos que o próprio Marco
citou no vídeo. À princípio, vemos Makoto como um garoto tímido, sem saber
muito o que quer ser e que vivia perdido em pensamentos, aparentando ser um
típico adolescente reservado. Contudo, já podemos perceber alguma
caracterização a partir disso e do fato de que ele secretamente tirava fotos de
Kotonoha, sua amada. Ele pode muito bem ser um garoto egoico, narcisista, preso
em seus próprios pensamentos e realidade, que fantasia com um mundo onde ele
pode saciar seus desejos mais íntimos... Ao se afastar do mundo real, ele
projeta realidades onde ele pode ser um com sua amada, por exemplo. Obviamente
ele não era um purista desde o início, ele apenas não tinha a coragem e
motivação para buscar na vida real a saciedade de seu anseio pelo contato humano...
íntimo... Sexual, principalmente. O anime é bem dinâmico e sutil, contudo,
durante a maior parte de sua narrativa, ele não nos deixa claro se era essa
lógica de pensamento do Makoto, então considere isso mais como uma aposta minha.
Ainda assim, é o que me parece diante de tudo que vi durante o anime.
Ele tá na seca, com certeza. Olha essa cara! |
Já
a Kotonoha tem um espectro bem distinto. Ela é uma menina com sonhos pueris e
retraída por ter dificuldade em se comunicar com as pessoas, provavelmente
desde pequena. A única pessoa com quem ela consegue se comunicar direito no
início do anime é a sua irmã, que representa, num primeiro momento, um porto
seguro diante de toda a insegurança que o “mar social” representa a ela. Ainda
assim, como diria a Akane de Renai Boukun, o “olhar intenso” do Makoto a
conquistou. Ele foi uma das poucas pessoas que teve um interesse real de se
comunicar com ela, de ter um relacionamento com ela (por mais que ele apresente
querer muito mais sexo que qualquer outra coisa, ele também fantasiava com
romances fofinhos a priori), então isso não me soa nem um pouco forçado. O garoto
legitimamente a conquistou pelo simples fato de ter interesse em ter contato! O
máximo que os outros meninos demonstravam por ela era desejo sexual (quando
tinham!). Não me entenda mal, ela é muito gostosa bonita, mas... Vocês
repararam em como ela se senta, como ela fala, como ela se comporta? A postura
dela é bem retraída, bem tímida, fechada, até mesmo depressiva. Isso afasta o
mundo dela, e ela acabou por muito tempo se afastando do mundo também. Nunca
tendo entendido direito como relações interpessoais funcionavam, acaba
encontrando um alívio em Sekai quando ela se aproxima finalmente, já que ela se
mostra como alguém aberta a todas, alegre e compreensiva, “uma menina apenas bem-intencionada”
que ainda quer ajudá-la a ter em sua vida o único menino até então que
demonstrou ter algum interesse amoroso nela. Porém não é bem assim que a
“falsiane” se sentia, né?
Fan service! |
Sekai
é a típica pessoa “não resolvida”. Ela está sempre inquieta, nunca satisfeita
com o que tem. Insegura, ela se esforça ao máximo para preencher seu vazio
sendo gentil com quem a cerca, veste uma máscara de menina alegre e solta. Ela se auto-despreza e busca a felicidade nos outros. A
verdade é que ela não consegue agradar a si mesma com suas ações, vontades e
planos. Ela está tão perdida quanto o Makoto e Kotonoha... E ela vê no Makoto e
na Kotonoha uma chance de fazer algo realmente dar certo na sua vida. Juntando
os dois, ela busca uma satisfação pessoal, dizer para si mesma que foi ela que
os fez serem felizes juntos, a salvadora da pátria... Até que ela se cansa de
ser a heroína. Foi chato. Tudo iria terminar bem, muito bem. Bem até demais.
"Eeehh... :3" |
Isso
não era o suficiente.
Não,
isso não vai virar uma light novel, prometo!
Decepcionado contigo, Tebaldi |
Sekai
quer o mundo todo (que trocadilho, não?). E acho que esse é um dos principais
motivos de ela se interessar nele. Ela queria saciar seus próprios desejos
sexuais. Combine isso com o fato de a presença dele o agradar (os dois agiam até como se dessem bem no início da história, então não há atrito entre eles) e que
Kotonoha já tinha interesse prévio no Makoto... Isso a deixou curiosa! Sim,
curiosa! Agradeço ao Léo Gamer /Otaco por ter identificado essa palavra essa
ânsia tão comum ao comportamento sexual feminino! E assim ela vai se
oferecendo, pouco a pouco, até dar no que deu! Isso tudo caracteriza fielmente a hipergamia feminina.
Perceba
aqui que, até agora, essas análises são feitas a partir dos afetos demonstrados
por ações, eventos e alguns diálogos... Nada é muito escancarado nesse anime,
por isso repito: muito disso acaba sendo o que interpretei das situações. A
obra infelizmente não teve muito espaço para desenvolver os personagens em seu
dia-a-dia de maneira mais orgânica, nos mostrando como eles eram e como eles se
transformaram. Há vários timeskips na narrativa que podem sim deixar muitas
pessoas desconfortáveis, e isso é nítido para qualquer um. Não nego que isso é
um fato. O diretor, porém, soube até usar alguns artifícios, principalmente
visuais, para transmitir as impressões que coletei dessa forma para
caracterizar, mesmo que minimamente, os personagens centrais dessa tragédia e
não corromper todo o conteúdo com um pacing terrível. Isso é uma falha?
Sim, mas creio que a produção fez o que pôde para contornar a falta de episódios.
Além
disso, com um esforço ambíguo e bem questionável do roteirista, o protagonista
não tem nada mais do que eu descrevi ali... E isso até poderia ser considerado overthinking,
ou seja, eu estaria tirando aquilo da minha imaginação apenas. O protagonista, assim
como as heroínas secundárias, é raso. Ainda há alguma dimensionalidade ao
garanhão, mas nada algo mais único a ele, como acontece a Sekai e a Kotonoha,
como se a primeira metade do anime ele fosse bem mais passivo do que ele
realmente é na segunda metade. Isso se deve ao fato de que isso é uma adaptação
de um bad end de uma visual novel, estilo de história que
geralmente não cria caracterizações tão marcantes para que você se torne
o Makoto. Então por mais caracterizado Makoto possa ser em alguns momentos, a
ambiguidade entre uma casca vazia e um ser bem egoísta que só pensa em si mesmo
transitam e se alternam, tornando a experiência de acompanhá-lo bem estranha.
Mesmo assim, isso me leva a crer que, talvez, essa foi uma tentativa de
subverter aos jogadores de visual novels e o público otaku em
geral que fantasia com a ideia de, se pudesse, pegaria qualquer garota que
viesse na frente, formaria um harém para si e se sentiria acima das
consequências. Isso se reflete principalmente em culturas voltadas ao
escapismo, que incitam seu público a negarem suas vidas e mergulharem na
fantasia, criando casos comuns de pessoas que fazem besteira por aí por não
mais distinguirem a ficção da realidade. Será esse um dos objetivos?
Não
entrando claramente nessa discussão acima, esse desenvolvimento do que Sekai
incita em Makoto até a morte de ambos é como uma montanha-russa. Começa lento,
um friozinho na barriga alimenta uma ansiedade pelo que está por vir. Uma brisa
leve passa, dando a todos um prazer efêmero... Logo... O carrinho desce ladeira
abaixo e então dá voltas das mais malucas. Essa minha metáfora batida foi pra
dizer que todo mundo ali perdeu o controle da situação. Isso era esperado, pois a
natureza segue um padrão mais geométrico de consequências. Isso nos leva a uma
pergunta: como?
Assim
como eu disse anteriormente, Makoto tem um desejo sexual aparentemente alto,
como qualquer pirralho jovem em sua faixa etária e, por isso, ele não
aceita a insegurança e constrangimento de Kotonoha, que quer aprender e se
acostumar com a situação de forma mais gradual, enquanto ele tenta tocá-la em
partes mais íntimas do que simplesmente dar um beijo na boca. O menino,
todavia, não se contenta por muito tempo em só dar beijinhos, aceitando o
convite de Sekai e, rapidamente, qualquer uma que estivesse igualmente curiosa,
em sua sede de sexo “inexorável”. Ele não poderia estar em um momento
melhor........... Né?
Errado.
Assim como eu achar essa foto na primeira página de resultados do Google! Parece que a maioria não entendeu o motivo dessa obra existir... |
Lembram-se
da expressão dele? Então.... Aquela não me parece a expressão de alguém
contente com a vida que tinha. O jeito como ele se expressava e agia se
assemelham mais a pessoas que, por mais que se deleitem com o que mais queriam
e querem no momento, ainda não lhes é o suficiente. Por mais que ele buscasse mais,
descartando quem lhes foi o estopim para essa sucessão louca de troca de
parceiras, nada encontrava, se esvaziando cada vez mais (ele já não era um
personagem vazio, ficando ainda mais vazio?!). Piadas à parte, Makoto virou um escravo do vício dele. Um
dependente. Isso também o leva ao último arco, que é o falso arrependimento.
Ele sente falta do tempo onde as coisas eram mais simples, onde ele se
satisfazia por menos, então tenta recuperar tudo o que perdeu... Resultado: ele
ficou tão cego pelo egocentrismo dele que cometeu erros fatais. Literalmente.
Ele cavou a própria cova durante todo esse processo, e esse ato de retorno às
raízes foi apenas o ato de se jogar para ser enterrado pela Sekai. (SFX: BA DUM
TSSSS)
Não essa, mas ele parecia triste. |
Enquanto
isso, Kotonoha passa por um arco até semelhante com relação ao termo
dependência. Citei anteriormente que o pilar dela era a irmã, mas, por ter
entrado nesse relacionamento com o Makoto e por acreditar cada vez mais que ele
estaria sempre ao seu lado, ela doentiamente se agarrava a ele em suas imagens
mentais. Ela vicia-se na ideia de que, por ele a amá-la, a menina sempre terá
com quem contar e se sustentar psicologicamente... Ele tomou o lugar da irmã no
coração dela, sendo uma âncora, um protetor... Quase um provedor... As quebras de expectativa se dão porque rapidamente ele não
corresponde às expectativas depositadas nele e, após oito episódios de tentar
enganar a si mesma, Makoto finalmente toma a iniciativa de terminar com ela (se
é que pode chamar aquilo de término). Isso faz com que o mundo dela desabe de
vez.
Sim,
ela foi uma vítima a maior parte do tempo... Mas vamos lembrar que ela matou
uma pessoa. Tudo por conta de um vício que a consumiu. Mesmo que ela não tenha procurado ajuda profissional, isso não isenta seu namorado pelo o que fez com ela. Sendo assim, não a vejo
como uma grande coitada nessa história, e sim como alguém que precisava de
assistência sim, mas que se deixou levar por um vício, por um impulso de um
traço de personalidade que muitas vezes pode ser até um transtorno de
personalidade: dependência emocional. Isso nos ensina que devemos nos esforçar para que
fiquemos de pé por nós mesmos. Contudo, aprendemos com Makoto que dependemos um
do outro de certa forma, então não devemos nos fechar em nosso mundo, nem criar
farsas exteriores como Sekai faz.
Depresso |
Portanto,
School Days se utiliza desses personagens para nos mostrar como pagamos
pelo o que fazemos. Temos responsabilidades pelos nossos atos. Nada é de graça.
É uma perspectiva existencialista da vida, assumindo que cada indivíduo tem a
responsabilidade de se esforçar para sua vida ser melhor, mesmo que vivamos em
um ambiente social. Somos responsáveis por nós mesmos nessa corrente filosófica.
Porém também nos mostra como a vida pode ser caótica e joga na nossa cara o
quanto nossa irracionalidade nos leva a caminhos que nunca sonhávamos em
chegar, sendo isso algo bem normal de se acontecer...
A review foi top
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirEntão eu até acho interessante a questão dos vícios que você falou sobre School Days, mas não acho que o anime seja tão bom assim. Principalmente por ser (na minha visão) uma terrível adaptação de um eroge na qual os personagens simplesmente não são coerentes e isso é causado diretamente pela falta de uma base, um passado para justificar as ações desses personagens. Você disse (de certa forma) que isso é proposital no caso do Makoto por ele representar o jogador, mas acho que é como falar sobre filmes por exemplo, em uma série de livros, por exemplo senhor dos anéis quando um livro acaba outro começa imediatamente de onde parou no livro anterior, mas isso não funciona em linguagem cinematográfica e por isso precisaram criar arcos nos filmes para poder dar " finais" aos filmes. Indo direto ao ponto agr, é o mesmo que deveria acontecer com School Days na questão dos personagens, no jogo é você quem toma as decisões ou seja é sua personalidade, já no anime isso precisa ser mudado pois é uma linguagem completamente diferente, por isso acho que os personagens de School Days são simplesmente rasos. E sem contar coisas como animação e design de produção que são um lixo, eu ainda acho que o anime tem alguns méritos sim que você inclusive citou alguns, mas eu considero esses pontos bons fracos demais em comparação aos pontos ruins. Não acho que por algo ter uma mensagem quer dizer que seja bom como no caso de Midori Days que é uma metáfora para masturbação e tal, mas esse anime não deixa de ser ruim kk.
ResponderExcluirEntendo seu posicionamento e faz muito sentido... Acredito que o que torna algo bom ou ruim no mundo é mais perspectiva que coisas objetivas, por mais que haja sim critérios objetivos para se gostar de algo... Por isso, para mim, o debate foi mais interessante que a caracterização tridimensional dos personagens.
ExcluirClaro que sinto falta de mais camadas de desenvolvimentos de personagem e a falta de criatividade na composição de série para dar mais personalidade e passado aos personagens, porém não dá pra negar que sente-se que eles têm comportamentos humanos, e são sobre eles que o anime discute...
Não acho que isso vai tornar o anime bom pra você, e concordo que, apenas como adaptação, School Days falha em muita coisa... Mas como debate sobre alguns comportamentos até funciona, mesmo com personagens bidimensionais.
Tem mais uma coisa que eu me esqueci de dizer antes: e se a obra simplesmente está contando a vida de adolescentes padrões que nunca tiveram coisas tão significativas na vida deles ao ponto de dedicar tanto tempo do anime pra desenvolver isso? Creio eu que o foco nem era esse, pra ser sincero.
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